terça-feira, 31 de julho de 2012

A DESRAZÃO DO ESPAÇO

não muito tempo li um artigo fantástico. Ele é perfeito como roteiro de análise do que é, podendo ser, não sendo. O título é uma pergunta: O que é o espaço?
Começa com um convite à reflexão sobre coisas tomadas como triviais e simples e que se mostram muito complicadas, sendo este o caso do conceito de espaço na física e na matemática. Já podemos aí perceber algo de estranho, algo que não cheira muito bem. O trivial e simples está na ordem das pessoas comuns que cuidam de suas vidas, enquanto os conceitos de física e matemática são reservados para uma elite de estudiosos.
A reflexão a que se refere o autor (que chamaremos de B.J., para simplificar), como veremos no decorrer destas linhas, mais parece a reflexão de um espelho, dando apenas conta do que dizem os especialistas desta ou daquela área, não fornecendo ao leitor condições de usar da reflexão entendida como análise criteriosa e inteligente do que se entende por espaço.
B.J. reconhece que todo mundo tem uma noção intuitiva do espaço, mas diz que o espaço é o que separa as coisas. De onde terá ele tirado essa definição? Certamente não é da noção intuitiva que todos temos. As coisas são separadas pela simples razão de que não são unidas e eventualmente pode acontecer que percebamos haver um espaço entre uma e outra, o que nem sempre acontece. O espaço, na noção intuitiva, não é um agente, mas um palco onde se desenrolam as coisas e os fatos.
Na verdade, a noção de espaço (como a de tempo) não admite definições porque se trata de condição primária que nos possibilita o conhecimento das coisas materiais. Ele está na raiz desse conhecimento e já nascemos com essa capacidade de percepção espacial. Mas o B.J., baseado na sua falsa definição, diz que para entender o que é espaço precisamos implicitamente de outros objetos, precisamos de matéria.
Ele pois inverte as coisas. Em vez de precisarmos da noção de espaço para apreender os objetos, ele afirma que precisamos dos objetos para apreender o espaço.
Para que não fique simplesmente palavra contra palavra, cada um ficando com sua suposta verdade, faço lembrar que se temos dois objetos perfeitamente iguais, como esferas de mesmo aço, mesmo diâmetro e mesmo polimento, nós só distinguimos uma da outra porque uma está aqui e outra ali. Mas "aqui" e "ali" são conceitos essencialmente espaciais. Daí se conclui que a noção de espaço antecede logicamente ao conceito de objeto distinto dos outros.
B.J., ainda baseado na sua falsa definição de espaço (o que separaria as coisas) afirma que sem ele tudo estaria embolado no mesmo lugar. O leitor atento e com sentido crítico percebe logo a tremenda incongruência dessa afirmação tendo em vista que "lugar" é outro termo essencialmente espacial. Se acabamos totalmente com o espaço, acabamos totalmente também com idéia de lugar e é um absoluto nonsense dizer que as coisas ficariam emboladas no mesmo lugar, pois lugar já não há.
Ele, B.J., além do mais, confunde a noção geral de espaço com a noção de espaço vazio. Qualquer objeto que conheçamos ocupa um lugar no espaço, mas não afeta a existência desse espaço e até precisa dele para existir no mundo. Sem que haja espaço para um objeto, ele não pode estar ali, assim como uma mala abarrotada na qual não podemos botar mais nada, simplesmente porque não há espaço disponível. Mas as coisas que já estão na mala, estão lá porque há espaço disponível e suficiente para elas.
Podemos ainda fazer outra consideração. É de conhecimento geral, especialmente dos físicos, que os objetos sólidos seguem o princípio da impenetrabilidade — propriedade da matéria pela qual dois corpos não podem ocupar simultaneamente o mesmo lugar no espaço —. É evidente que, sem a noção prévia de espaço, esse princípio é ininteligível e o mundo físico fica também sem poder ser entendido.
Certamente que precisamos de objetos como referência para determinar pontos no espaço, distâncias recíprocas e toda sorte de medições espaciais. Essas medições porém não são o próprio espaço. São apenas artifícios que usamos para saber, por exemplo, se um objeto caberá num certo espaço disponível. O conceito que fazemos do espaço é que se trata de algo contínuo, sem divisão, em toda e qualquer direção. A divisão do espaço em metros, polegadas ou qualquer outro tipo de medida, não passa, volto a dizer, de um artifício, muito útil por sinal, mas que não afeta o próprio espaço que continua sendo o que é, um contínuo de si indivisível.
B.J. chega aparentemente a concordar com isso quando admite que, na matemática, o espaço é uma construção abstrata (como se tudo na matemática não fosse abstrato!!), uma invenção para definir distância entre objetos. Ele reconhece que o espaço não tem, a princípio, uma existência física, declarando solenemente que espaço não é uma coisa. Surpreendentemente volta atrás e pergunta: "Ou é?"
Para ele, na física moderna, a história fica mais complicada, pois se para Newton o espaço é uma espécie de palco onde se desdobra o drama da natureza, com Einstein e a relatividade tudo muda. Einstein teria, segundo ele, mostrado que o espaço não é inerte: ele responderia à presença da matéria, sendo uma entidade plástica e não rígida, como supôs Newton. Para Einstein, o espaço em torno dos objetos é distorcido em proporção à sua massa e densidade e o espaço deixou de ser apenas palco e virou ator também.
B.J. parece que se esqueceu do seu propósito inicial de levar o leitor à reflexão, pois não fornece elemento algum de análise. Ele simplesmente se apóia na autoridade de Einstein e na sua própria, sem que se possa verificar a correspondência entre essas afirmações e os fatos observáveis.
Na realidade nenhuma prova convincente foi produzida para que abandonemos a noção intuitiva de espaço, substituindo-a por outra einsteiniana. Aliás, muito pelo contrário, há sérios empecilhos racionais para que aceitemos essa nova noção. Para o espaço sofrer a ação da gravidade dos corpos seria preciso que ele próprio fosse material e tivesse, portanto, alguma massa. E, no entanto, nunca, em lugar nenhum, alguém se preocupou em determinar o valor dessa massa. Quanto pesaria mesmo um metro cúbico de espaço? Esse descaso crucial é indicativo de que estamos no campo das ilusões e não num verdadeiro ambiente científico.
Alega-se que durante um eclipse solar, observado em Sobral (CE), ficaria provada a distorção do espaço nas proximidades do Sol, em função do desvio de rota da luz das estrelas, fundados no princípio de que a luz não tem massa. Ora, essa argumentação chega a ser ridícula. Por que não chegar à simples conclusão de que a luz, com seus fótons, tem massa sim? Não é excepcionalmente mais inteligível atribuir massa aos fótons em vez de atribuí-la ao espaço?
Mas o B.J. não se contenta com a relatividade de Einstein e entra no campo da física quântica, afirmando que ela permite uma violação temporária da conservação de energia. É fantástico admitir-se que uma teoria, qualquer que seja, se atribua o poder de permitir a violação de alguma lei da natureza que já tenha sido observada e razoavelmente comprovada.
O leitor, a essa altura, deve estar se perguntando o que se entende por "violação temporária da conservação de energia". Pois o B.J. explica: partículas podem aparecer no espaço vazio (ou vácuo), contanto que se desintegrem outra vez, numa dança de criação e destruição. Ou seja, de acordo com a física quântica, há um vácuo pleno de flutuações de energia capazes de criar partículas de matéria, mesmo que por apenas alguns instantes.
O texto a que nos referimos termina de forma bombástica: O espaço vira uma coisa que pode criar. E há quem acredite nisso! Só pode ser para aqueles que afirmam, com convicção: me engana que eu gosto!
Autor: Renato Benevides